Caminhos paralelos: afinidades discursivas entre germanófilos de Brasil e Argentina durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918)

Livia Claro Pires

Agência de Notícias das Favelas

Resumen: Durante la Primera Guerra Mundial, al contrario de la mayoría de los intelectuales de sus respectivos países, hombres de letras de Brasil y Argentina dedicaron sus simpatías al Imperio alemán. Más que compartir su preferencia por la campaña germánica, estos individuos adoptaron estrategias y argumentos similares en la disputa narrativa sobre la beligerancia. Este ensayo estudiará las simetrías encontradas en los discursos germanófilos y las acciones de los intelectuales brasileños y argentinos durante los años 1914 y 1917, basados principalmente en investigaciones de la historiadora María Inés Tato. De esta manera, buscamos examinar la existencia de un diálogo sudamericano en las reacciones al conflicto, y contribuir a la comprensión de las múltiples representaciones sobre la guerra en América Latina.

Palabras clave: Primera Guerra Mundial, intelectuales, Brasil, Argentina, germanófilos.

Abstract: Over the First World War, despite the majority pro-Allies in their respective countries, part of the intellectuality of Brazil and Argentina dedicated their sympathies to German Empire. More than their preferences, those men partake of the strategies and arguments on the narrative battle about the armed conflict. This essay attempts to show and analyse the symmetries between Brazilian and Argentinian germanophiles discourses over 1914 and 1917, based on María Inés Tato’s investigations. In addition, this study set out to examine the existence of a South American dialogue about the belligerence. Also, it seeks to contribute to a better understand of the multiples First World War representations in Latin America.

Keywords: first world war, intellectuals, brazil, argentine, germanophiles.

Casus Belli I (2020), 103-127

Recibido: 27/4/2020 - Aceptado: 3/8/2020

1. Introdução

Em 2010, o historiador inglês Sir Hew Strachan realizou uma interessante reflexão acerca dos termos “Grande Guerra” e “Guerra Mundial”, utilizados para definir os eventos bélicos que marcaram o quadriênio de 1914 e 1918. Se “Grande Guerra” foi a denominação mais usada por historiadores britânicos e franceses, visada para restringir o conflito e seus efeitos ao continente europeu, nas análises germânicas e mesmo nos documentos oficiais durante a conflagração, “Weltkrieg” –ou guerra mundial– foi preferencialmente adotado, embora sem incorporar a amplitude do conflito. Apenas recentemente, conforme informa o historiador, os acontecimentos que decorreram daqueles anos foram entendidos em uma dimensão global.[1]

 Para Strachan, denominar a beligerância que inaugurou o século XX como uma “guerra mundial” não seria unicamente pela participação de países dos cincos continentes. Havia diferentes nós que atavam economias, políticas e relações culturais mundo afora, de modo nunca antes experimentado pela humanidade. Um capitalismo calcado na indústria e nas transações financeiras, cujas expansões operacionais estavam atreladas a uma política imperialista, encontrava reforço numa retórica homogeneizadora da humanidade, sob o signo do progresso e da evolução. Na guerra iniciada em 1914, neutros e beligerantes, países independentes ou não, viram-se afetados pela diminuição da oferta de crédito, pelos bloqueios navais, pelas pressões pelo envio de material humano para morrer nas trincheiras em nome da “civilisation”, ou da “kultur”. Designar a conflagração como “mundial”, portanto, seria o reconhecimento dos laços que integravam as diferentes partes do globo e que tinha a Europa como seu epicentro, de modo que as consequências de um conflito entre as suas principais potências reverberariam fatalmente por todas as regiões.

 Observando as disputas diplomáticas, as tentativas de interferência política e os esforços de propaganda dos beligerantes, há de se contestar a ideia de uma insignificância da América Latina para as ambições de guerra. Durante os anos de beligerância, tanto a Entente, quanto os Impérios Centrais, representados pela Alemanha, buscaram estratégias para pressionar a neutralidade declarada inicialmente pelos governos latino-americanos. Agiram de maneira a influenciar políticas internas, direcioná-las de forma que lhes fosse pertinentes, buscando aliados entre os atores locais, construindo dentro da América Latina um novo nível das suas disputas político-econômicas. Junto às populações locais –e aproveitando-se da inclinação cultural para a Europa existente entre as elites intelectuais da região–, atuaram para conquistar corações e mentes favoráveis às suas causas de guerra, fazendo bom uso dos meios de comunicação de massa, criação daqueles tempos.

Conforme afirmou Philip Dehne, os métodos para se estabelecer a contenda na região foram diferentes em face do que foi praticado na Europa e em outros lugares.[2] Todavia, os latino-americanos foram agentes, e não figuras passivas diante do intrincado contexto da conflagração. Nas disputas políticas e diplomáticas trazidas para dentro das suas fronteiras, atuaram de maneira a preservar ao máximo os seus interesses e aproveitar as oportunidades oferecidas pelos eventos da guerra, apresentando resistências às demandas dos combatentes quando estas não lhes eram convenientes. Por sua vez, as reflexões e debates acerca do conflito resultaram numa extensa produção intelectual e artística, produzida no imediato dos acontecimentos, e que sedimentaram movimentos das mais diferentes matizes nas décadas que se seguiram. De maneira geral, os latinoamericanos agiram, reagiram e criaram diante da guerra mundial.

E não o fizeram isolados uns dos outros. É importante ressaltar que a região, comprovadamente interligada ao contexto internacional, convergia suas relações internamente. A imensa diversidade, calcada na pluralidade dos seus processos históricos, não foi empecilho para que construísse suas pontes, conectando políticas, diplomacias, comércio, trocas culturais, fosse por meios oficiais, fosse através de associações ou iniciativas individuais. Na experiência da Primeira Guerra, tais aproximações podem ser igualmente percebidas, uma vez que a beligerância fez com que aquelas sociedades experimentassem desafios e questionamentos semelhantes, fundamentando o compartilhamento de impressões, ações e conhecimentos sobre o que afetava a todo o globo naquele momento, e a cada uma delas em particular.

Na América do Sul, a guerra foi recebida como nas demais regiões do Novo Continente. Houve um misto de perplexidade diante do estado de guerra que se descortinava, com a urgência de agir apresentada pelos governos, visando resguardar os interesses nacionais, sobretudo econômicos. De imediato, a declaração de neutralidade, unânime entre aqueles países, foi a solução encontrada para manteremse apartados dos efeitos de um conflito interpretado nos primeiros meses de 1914 como exclusivamente europeu. Não demorou muito para que essa perspectiva fosse alterada de forma forçosa pelo desenrolar dos acontecimentos, e a medida equânime tomada por todos os governos sul-americanos se tornasse o ponto de propagação de posturas diversas sobre a conflagração dentro dos seus territórios.

A neutralidade assumida não se manteve, de maneira alguma, estática ao longo daquele quadriênio. Os decretos que lhe deram origem foram o retrato inicial de uma complexa realidade que se alterava com rapidez. A guerra apresentou inúmeras camadas, e este dado, contrastado com as realidades específicas de cada sociedade sul-americana, compunha um intricado quadro de relações com a beligerância em si. Inicialmente um ato de governo, as neutralidades oficiais passaram pelo escrutínio de grupos políticos, sociais e intelectuais, pessoas que matizavam o conflito com suas experiências e visões de mundo. Dessa forma, a imparcialidade proposta pelos poderes republicanos da região foram neutralidades adjetivadas: heterogêneas em suas disposições, e inconstantes nas definições práticas assumidas pelas sociedades locais.[3]

Neste âmbito, Brasil e Argentina experienciaram o conflito mundial em gradações que tiveram impacto direto sobre a vivência de suas respectivas neutralidades. Os dois países –potências sul-americanas– tinham importantes ligações econômicas com os beligerantes europeus, pretensões de projeção internacional e de liderança interamericana. Detentores de economias pujantes, Brasil e Argentina destacavam-se como vértices das relações entre as Américas, num momento de debates e discussões a respeito de uma política integracionista na região. A relevância local era reconhecida pela participação dos seus representantes diplomáticos em reuniões de caráter internacionalista, como a Conferência de Haia, em 1907. Somado a esse cenário, encontravam-se elites de inspiração intelectual eurocêntrica. Tal conjuntura influenciou debates e disputas políticas que se deram não apenas no seio das instituições estatais, mas também em lugares sociais, tendo influência direta sobre os termos da manutenção do estado neutral, caso da Argentina, e do progressivo abandono do mesmo, conforme ocorreu no Brasil.

Já em agosto de 1914, os governos de ambos os países expediram documentos que oficializaram a equanimidade diante do início da guerra. No primeiro decreto argentino, de 5 de agosto de 1914, o presidente Victorino de la Plaza baseava-se na Convenção de Haia de 1907 para estabelecer as cláusulas para a neutralidade platina, deixando aos ministérios especificar as demais instruções. No dia anterior ao seu vizinho, o gabinete de Hermes da Fonseca espediu o decreto 11.037, contendo 27 artigos direcionados para regulamentar o trânsito marítimo e o movimento portuário, além de prevenir contra manifestações da sua numerosa comunidade de imigrantes. Foram determinações que não encontraram resistências para serem ratificadas pelas respectivas casas parlamentares.

Porém, sua larga aprovação pelo poder legislativo não tornaram tais medidas imunes a críticas, tampouco impediu a construção de perspectivas diversas a respeito da beligerância e suas demandas. No caso argentino, um dos exemplos de divergência quanto à acepção da neutralidade foram os duros reclames feitos pelo líder oposicionista Hipólito Yrigoyen. As reclamações do futuro ocupante da Casa Rosada dirigiam-se ao que chamou de uma neutralidade “passiva e claudicante” diante de acontecimentos de guerra que feriram interesses nacionais e atentaram contra a vida de patriotas.[4] No Brasil, por sua vez, houve a demonstração de que a neutralidade oficializada pelo decreto 11.037 poderia não significar equidistância, e pender para um dos lados em conflito. Quando o exército germânico invadiu a Bélgica e os Aliados reverberaram o acontecimento como uma violação de tratados firmados, a Câmara dos Deputados aprovou uma moção escrita pelo deputado federal Irineu Marinho, oficializando o repúdio do país às ações beligerantes de transgressão a acordos internacionais. Demonstrando a dissonância de vozes dentro da mesma casa legislativa, no mês seguinte o deputado federal Dunshee de Abranches proferiu um longo discurso que, embora se propusesse como uma defesa dos interesses brasileiros, tornou-se um dos mais emblemáticos gestos pró-Alemanha no Brasil, como veremos adiante.

As díspares visões sobre o conflito extrapolaram os círculos políticos, repercutindo por outros setores daquelas sociedades, em especial entre os intelectuais. Esse grupo social gozava de especial prestígio naquele período, tendo adquirido ao longo dos processos históricos vivenciados por Brasil e Argentina funções sociais relevantes. Os letrados desses países cresceram em importância no período pósemancipatório, ocupando cargos burocráticos dos recém-fundados estados nacionais, medrando no desenvolvimento do mercado editorial e da imprensa profissional. Na virada do século XIX para o XX, estiveram no epicentro das reformas urbanas que marcaram alguma das principais metrópoles sul-americanas, incorporando o papel de arautos do progresso. Nas “cidades das letras”, eram os mediadores culturais de suas comunidades, reverberando e edificando projetos de poder, de modernização e nacionalidade. Nos artigos jornalísticos, romances, discursos e críticas nota-se o eurocentrismo de suas ideias, embasando a construção dos modelos civilizacionais que propagavam.[5] Daí justifica-se, em parte, o engajamento desse grupo social, tanto no Brasil, quanto na Argentina, em argumentações e reflexões sobre a conflagração.

Nas reações ao conflito, percebe-se uma série de semelhanças entre os grupos intelectuais argentinos e brasileiros. Havia um expresso favoritismo pela Entente; a existência de dissidentes em benefício dos Impérios Centrais; e um terceiro grupo que expressava uma interpretação menos pautada por preferências por este ou aquele bloco de beligerantes. Permeando essas interpretações, havia a interferência das propagandas de guerra, os interesses particulares dos diversos círculos interpostos que compunham essa intelectualidade, os quadros conjunturais de cada sociedade em particular e de suas relações externas.

A notória predileção pelos Aliados deve-se a uma sólida presença francesa no imaginário dos pensadores destes países. Nos monarquistas liberais franceses, os protagonistas da emancipação brasileira buscaram inspiração para a fundação do Império, enquanto foi a França revolucionária, ilustrada e republicana que orientou movimentos independentistas na Argentina.[6] Já em meados do século XIX, a França tornou-se o centro dileto para a educação dos filhos das elites, e foi a Paris do Barão de Haussmann o modelo para as reformas urbanas vivenciadas por Buenos Aires e Rio de Janeiro. Mais do que uma inspiração para as mais diversas áreas do conhecimento, a França representava um paradigma civilizacional a ser alcançado por esferas das elites culturais de Brasil e Argentina. Dado isso, discorre o principal argumento utilizado pelos partidários da “Entente” nestes países: a corrente guerra era, em verdade, uma luta entre a “civilização” e a “barbárie”.

Para esses letrados, a França representava os valores modernos: humanistas, progressistas, e, até certo ponto, pacifistas. Herdeira dileta do arquétipo cultural greco-romano, era tida como a guardiã dos princípios morais do Ocidente, embasados nas noções de igualdade, fraternidade e liberdade. No maniqueísmo que se construiu nessas análises sobre o conflito, o Império Alemão estava no extremo oposto dessa definição. Retratados como belicistas, autoritários, utilitaristas, definiam-se segundo esses sul-americanos como a antítese dos fundamentos da “Belle Époque”, e, por conseguinte, bárbaros. Vide, por exemplo, o discurso de Graça Aranha, romancista e diplomata brasileiro em Paris durante a conflagração, publicado no periódico fluminense Jornal do Commércio em 1914, quando ainda se experimentava os impactos da batalha do Marne:

Apesar da fraqueza material a que a França chegou, ainda assim ela foi bastante forte para evitar a reprodução do cataclisma e manter intangível a sua civilização, patrimônio coletivo do gênero humano. Pois não há dúvida que na guerra de hoje o que esteve mais em causa foi a civilização francesa. Contra ela principalmente foi o que se levantou a barbaria germânica. Na incapacidade de assimilar intrinsecamente essa cultura, no desespero de cópia imperfeita e neste furor de domínio, movido pela ilusão de força e de uma ciência ao serviço da destruição, os Germanos arremeteram novamente contra o mundo latino e marcharam sobre Paris.[7]

Uma Alemanha menosprezada em suas manifestações culturais, reduzida a uma expressão dos projetos expansionistas dos seus estadistas foi argumento utilizado por Leopoldo Lugones para condenar a invasão da Bélgica, em 1915. No texto, escrito para Le Cri de Belgique, órgão de imprensa com a proposta de defender os interesses belgas na América do Sul, afirmou:

Cuando se nos habla de ‘cultura alemana’ se olvida que este fenómeno tiene como expresión social eminente a la autocracia militar, que según los más brillantes pensadores alemanes, no es una delicia. Por esto, según los hechos van demostrándolo, el mundo no quiere ser alemán. Y esto progresará en razón inversa: cuanto más triunfe Alemania, menos alemán querrá ser el mundo. Resta la hipótesis de que Alemania consiga vencer al mundo entero y dominarlo, al ser, como el pangermanismo lo pretende, el super-pueblo elegido por la divinidad con este fin. Semejante idea es la manifestación de un misticismo bárbaro, que si no se presenta en la historia por primera vez, ha ofrecido siempre a la observación los mismos rasgos patológicos.[8]

A fala de Lugones expõe outros pontos convergentes entre os discursos pró-Aliados de intelectuais brasileiros e argentinos. A sanha expansionista alemã, conforme exposta pelo argentino, teria planos específicos para os sul-americanos, ao alentar a ambição de ocupar parte dos territórios de Brasil e Argentina, a partir do assentamento das colônias de imigrantes nessas localidades. Difundia-se, dessa forma, existência de um “perigo alemão”, fruto do imperialismo inerente à cultura do povo teuto, alimentado pela invasão da Bélgica. O ato ao final de 1914 era exposto como o exemplo do desprezo do Reich pelos tratados firmados internacionalmente, e um precedente para que os exércitos do Kaiser repetissem o feito em outras nações. Somou-se a essas estratégias discursivas a representação da guerra como uma disputa historicamente fundada entre “latinos” e “germânicos”, resultando numa iniciativa para angariar simpatias em direção à causa aliada através de uma identificação a ser construída entre aquelas sociedades e este bloco de combatentes.

Em Brasil e Argentina, contudo, as representações sobre a guerra não foram monolíticas. Reconhecidamente em menor número, mas não menos representativos, havia grupos de intelectuais que manifestavam apreço pelos Impérios Centrais. Mais especificamente, seu favoritismo era direcionado a Alemanha, principal alvo das críticas dos partidários da Entente ao longo daqueles quatro anos. Indo na contramão dos seus pares, esses homens das letras colocavam em disputa as narrativas sobre a conflagração naqueles países.

Nos dois lados da fronteira observa-se que esses intelectuais provinham, de maneira geral, de certas áreas do conhecimento e funções específicas.[9] Militares, filósofos, sociólogos, juristas, médicos, especialistas das ciências exatas e naturais, advogavam em causa pró-Alemanha, o que se revelava, em muitos casos, uma intercessão a favor da própria formação profissional e intelectual. Por exemplo, inúmeros oficiais das Forças Armadas argentinas, animados pela vitória do kaiser Guilherme I na Guerra Franco-Prussiana, migraram ao recém-fundado império em busca de qualificação. Outrossim, percorreram o mesmo caminho dos militares brasileiros. Sob a batuta do marechal Hermes da Fonseca, primeiro no Ministério da Guerra, depois na presidência da República, houve o envio de turmas de oficiais para estagiarem no exército alemão, entre 1906 e 1910. A última delas fundou em 1913 a revista A Defesa Nacional, onde se sustentava a adoção do modelo militar alemão para o exército do Brasil.[10]

No que tange aos demais profissionais, havia admiração à produção cultural alemã, considerada vanguardista e inovadora, em diferentes áreas do saber. O fascínio pelo “espírito alemão” resultou em iniciativas para a sua promoção em solo nacional e na realização de intercâmbios com instituições de ensino e pesquisa daqueles países. Entre a intelectualidade brasileira, a Escola de Recife foi uma das principais responsáveis pela difusão da cultura alemã na virada do século XIX para o século XX. Liderada por Tobias Barreto, professor da Faculdade de Direito de Recife e um apaixonado admirador da cultura alemã, apresentou as bases do direito germânico e solidificou sua influência por gerações de juristas brasileiros. Já o deputado Dunshee de Abranches, com formação em direito e sociologia, foi professor visitante na Universidade de Heildelberg e do Colégio BrasileiroAlemão antes da guerra. O médico Henrique da Rocha Lima, que escreveu diretamente da Alemanha uma série de artigos favoráveis à campanha daquele país, publicados no conhecido Jornal do Commércio, era pesquisador no Instituto de Doenças Marítimas e Tropicais de Hamburgo desde 1909.[11] No que tange aos argentinos, a historiadora Maria Inés Tato destacou o fluido canal entre cientistas daquelas duas nacionalidades, com a presença de pesquisadores alemães na Argentina, e mesmo o financiamento estatal alemão para a formação de especialistas platinos em Berlim.[12] Defender a validade da cultura alemã, portanto, num momento em que esta sofria uma intensa desqualificação por parte dos que se manifestavam em favor dos Aliados, era uma maneira de escudar a própria atividade intelectual e a legitimidade desta perante a sociedade.

Para isso, tais indivíduos souberam mobilizar os elementos a seu alcance e de seu domínio. As reflexões de posições simpáticas à Alemanha transformaram-se em livros e panfletos publicados por editoras conhecidas, mobilizadas não apenas por conta da popularidade do conflito nas rodas de conversa e mesas de jantar. Nas engrenagens tipográficas, moviam-se também as redes de sociabilidade e o capital social de intelectuais que adquiriram prestígio o suficiente para fazer valer publicações que tivessem seu nome na capa frontal, mesmo que estas fossem de encontro com opiniões validadas pela maioria. Foi assim que o já mencionado Dunshee de Abranches teve nove impressos sobre sua interpretação da guerra; o jurista brasileiro Mario Pinto Serva transformou em livro suas reflexões sobre as injustiças do Tratado de Versalhes para com os germânicos, pelo selo de Monteiro Lobato, outro admirador dos alemães; e intelectuais da envergadura de Juan P. Ramos e Ernesto Quesada levaram às prateleiras das livrarias argentinas seus posicionamentos em favor do Reich. Independentemente do alcance que essas obras possam ter tido junto aos interlocutores desses intelectuais, a existência delas indica que havia outros atores impulsionados pela notoriedade desses indivíduos, quiçá pelas ideias defendidas naquelas páginas. 

No contexto da guerra, as simpatias em favor da Alemanha tornaram-se mais um elemento nos entrecruzamentos intelectuais. Sensibilizados pelas mesmas ideias, os laços ideológicos que os aproximavam naquela conjuntura adquiriram uma organização formal em alguns casos. Foi este o caminho escolhido por alguns intelectuais brasileiros localizados no Rio de Janeiro, quando fundaram em 1915 a Liga Brasileira Pró-Germânia. O jurista Alberto de Oliveira Torres e o oficial do exército Leite de Castro, ao lado de Alfredo Victor de Mello, propuseram-se a arregimentar em torno da associação as vozes dissonantes da expressiva corrente favorável aos aliados naquela cidade, talvez no país. Seu ativismo foi marcado não apenas em artigos publicados em periódicos Brasil afora, mas também em ações filantrópicas e festas beneficentes que assinalavam a presença física e representativa de um determinado pensamento sobre a guerra. Organizações desse tipo se viram por todo o território brasileiro, embora a grande maioria tenha sido fundada para compor apoio aos Aliados.[13] Diferentemente do Brasil, o associativismo na Argentina parece ter sido uma estratégia utilizada pela intelectualidade apenas a partir de 1917, quando as discussões sobre a manutenção do estado neutral do país ganharam popularidade. Na ocasião, os que defendiam a permanência argentina no rol dos neutros apresentaram nos demais anos uma postura pró-Alemanha, e se reuniram em entidades como a “Liga Patriótica Argentina Pro Neutralidad”. Esta Liga foi responsável por reunir proeminentes figuras da cena intelectual argentina, como Ernesto Quesada, Juan P. Ramos e Ernesto Vergara Biedma, realizando manifestações públicas para defesa da sua causa.[1]

Eram tentativas de conjugar apoio a um partido que estava sob constante ataque, vindo principalmente do seu próprio grupo social. Nesse meio, as manifestações de apreço aos alemães vinham inexoravelmente acompanhadas de polêmicas que se desdobravam por dias a fio nas páginas da imprensa. Esta, agora inserida na lógica industrial-capitalista, configurou-se como o meio de excelência para que a intelectualidade alcançasse seus interlocutores, e foi, durante o quadriênio do conflito, palco e personagem no intenso debate que se formou nas sociedades brasileira e argentina. Os artigos de opinião, correspondências e análises, réplicas e tréplicas foram impressas nos periódicos dirigidos pelas mãos dessa mesma intelectualidade, o que justificaria, em parte, as tomadas de posição desses títulos nas disputas exibidas nas suas páginas.

A maioria dos diários, tendo a inglesa Reuters e a francesa Havas como as principais fontes de notícias sobre o “front”, enfileirava-se ao lado dos Aliados, não sem ressentimentos e cobranças por parte daqueles que se viam no lado oposto. A guisa de exemplo, a análise do primeiro ano da guerra feita pelo diário argentino “La Nación”, foi descrita pelo anônimo “G.”, na folha fluminense “A Tribuna”, como mais um episódio da “guerra de palavras, que vem sendo feita na França, na Itália e na Inglaterra, por exércitos de retaguarda talvez mais numerosos que os de Joffre, de Cadorna e de French”.[15] Apesar dos reclames, estes não estavam desamparados de todo, e contavam com a acolhida de folhas como a própria “A Tribuna”, e “La Unión”, em Buenos Aires, este último financiado diretamente por Berlim.[16]

Na intelectualidade brasileira e argentina, o que ocorreu durante os anos da guerra foi um desdobramento da configuração que este grupo assumiu ao final do século XIX e início do XX. Havendo adquirido nesse período um papel pedagógico junto aos planos de modernização, civilidade e construção nacional, e sabedores de sua influência sobre a sociedade, reivindicavam o reconhecimento de consciência das mesmas. Eram jogos políticos, uma vez que envolviam altercações por poderes dentro do próprio grupo e fora dele. Por isso, as disputas pelas narrativas sobre a conflagração, onde se enunciava não apenas a sua própria opinião, mas também qualificava-se a do outro. Nesse ínterim, é interessante perceber a forma como se denominavam os campos nesse debate sobre a guerra: “germanófilos” e “aliadófilos” eram as nomenclaturas atribuídas aos indivíduos que manifestavam a sua opinião, mas não eram escolhidas por eles, tampouco assim se autodenominavam. Eram designações externas, e que, muitas vezes, não faziam justiça ao seu posicionamento de fato.[17] Mas havia na distribuição desses nomes e nas afirmações feitas a respeito dos seus portadores as certezas dos que clamavam a “verdade” sobre o que era o conflito e o que traria. 

2. Simetrias discursivas

Os apoiadores da Alemanha na guerra mundial que se localizavam em Brasil e Argentina compartilharam mais do que a predileção pelo Reich. Havia entre esses intelectuais uma significativa semelhança argumentativa nas análises publicizadas entre os anos de 1914 e 1918. Suas interpretações coincidiam no tocante aos motivos para o conflito, ao entendimento da política do Império Alemão dentro do continente europeu, à neutralidade dos seus respectivos países, ao caráter do envolvimento dessas sociedades na guerra e às implicações que este poderia trazer. Ademais, esses posicionamentos não raro eram reativos, ou seja, enunciavam-se como respostas às narrativas construídas pelos intelectuais pró-Aliados em seus veículos de exposição.

 Nos dois lados da fronteira, desmantelar argumentos “aliadófilos” foi uma estratégia comum adotada por esses grupos. Tal comportamento explica-se parcialmente pela posição de minoria que os admiradores da Alemanha ocupavam nas duas sociedades, suplantados em larga medida por uma campanha favorável à Entente, ora por força da ação dos intelectuais favoráveis a esse bloco de combatentes, mas também devido à presença massiva da propaganda de guerra entregue pelos governos de França e Inglaterra aos sul-americanos[18]. Ademais, no contexto do conflito, não se tratava apenas de um debate intelectual restrito àquele grupo social, mas de uma disputa política pela opinião pública em esfera nacional, se utilizando de estratégias de persuasão, convencimento e arregimentação, caras ao campo da intelectualidade.

Como um contraponto ao menosprezo pelas expressões artísticas e científicas da terra de Goethe, e como autodefesa, afastar o questionamento à validade da produção cultural alemã foi uma das primeiras frentes abertas pelos intelectuais “germanófilos” no Brasil e na Argentina. O escritor fluminense Carlos de Laet emprestou sua pena ácida e combativa para exaltar o patrimônio cultural da Alemanha, e atacar diretamente Graça Aranha.[19] Para Laet, “a cultura das letras na Alemanha é um fato que só por gracejo, ou por ignorância, ou por mera conveniência de ocasião se pode contestar.” [20] Traçou, então, um longo itinerário da literatura teuta, desde a versão da Bíblia feita para o idioma gótico, passando pela Canção de Hildebrando e dos Nibelungos, Immanuel Kant e Goethe. Para rejeitar a tese de Aranha, segundo a qual os alemães não produziram nada mais do que cópias grosseiras da herança cultural greco-latina, finalizou seu levantamento nos seguintes termos: “já se vê que bem distanciados nos achamos da ratice de uma Germânia pedantescamente [sic] armada de óculos na ambiciosa e frustrada ambição de mera copista de Pallas-Athene!”.[21]

Um ano antes, o eminente intelectual platino Juan P. Ramos já abordara o assunto que insuflara a contenda entre Aranha e Laet.[22] Indo no sentido contrário do que o proposto pelo “aliadófilo” brasileiro, Ramos representava a Alemanha como a exuberante herdeira intelectual da Grécia Clássica, em diferentes aspectos da sua vida nacional. Afirmou:

una nación que, en una palabra, ha querido ser y ha logrado serlo en gran parte, Atenas para las aptitudes superiores del espíritu, Esparta para desarrollar en el individuo el valor, la capacidad y la energía necesarias para defender a su patria [...] Corinto para expandir por el mundo [...] la enorme pletora de su producción industrial.[23]

Ilibar os alemães da responsabilidade pela deflagração do conflito foi outro recurso do qual tanto brasileiros, quanto argentinos lançaram mão. A tese de que o Estado germânico tinha em seu cerne a belicosidade e o imperialismo, e de que esta característica havia precipitado a Europa para o confronto armado, era largamente difundida. O contra-argumento era dimensionar as conquistas territoriais e interferências como práticas corriqueiras dentro do jogo político e econômico daquela época, um jogo do qual os países da Tríplice Entente deteriam a “expertise”. Estabelecido o contraste com França, Inglaterra e outros coligados, apresentavam a quase ausência de conquistas desse tipo por parte do Reich, cuja militarização teria sido desdobramento do comportamento dos seus vizinhos. Nesse patamar, novamente Juan P. Ramos atestou que o belicismo, o armamentismo e o expansionismo estavam na ordem do dia. Sendo assim, “[e]l único pecado de Alemania consiste en haber sabido hacer mejor que todos lo que todos hacían”, e que “no se debe censurar a Alemania por las conquistas que aún no ha realizado, ni menos censurarla para defender la causa de Inglaterra, de Francia, de Rusia, que han realizado en realidad verdaderas conquistas territoriales.”[24]

 Naquele mesmo ano, em setembro de 1915, o jurista brasileiro Bernardino José de Souza publicou um artigo no jornal “A Tribuna”, atestando ser a orientação das relações internacionais daquele período o imperialismo, um desdobramento natural e necessário ao progresso das potências.[25] No mesmo tom que seu colocutor argentino, o articulista adjetivou positivamente tais práticas, com um “movimento magnífico de expansão militar, colonial, econômica e demográfica dos povos fortes e das raças enérgicas”, uma “paixão das grandes potências”, enumerando entre elas França, Inglaterra, Rússia e Itália.[26] O Império Alemão seguiria, por isso, um movimento espontâneo ao almejar para si terras além-fronteiras. Mas o jurista foi categórico ao afirmar que “o imperialismo alemão é o mais pacífico de todos”, frase que serviu como epígrafe ao seu artigo, enunciando a sua tese de ser a Alemanha uma nação cujo horizonte era a paz.[27] Assim, escreveu:

A Alemanha também unificada sobre a tríplice coluna de ferro que a Prússia levantou na guerra dos Ducados, na rápida campanha de 1866, e na formidável invasão de 1870, entregou-se, sem demora, aos labores da paz, reparando os desastres da guerra vitoriosa, remodelando todo o seu aparelho de prestígio, com as miras apontadas às fórmulas de um futuro de prosperidade e, sobretudo, de paz. […] Proclama-se também como verdade incontestável: ela não continuou dissídios nem armou peleja marciais. Embainharam-na precavida, cautelosa, patrioticamente. [28]

As falas de Bernardino de Souza e de Juan P. Ramos apontam para outras semelhanças identificadas entre os discursos de brasileiros e argentinos pró-Alemanha. Se havia a acusação de uma belicosidade inerente aos alemães, seus apoiadores emulavam a faceta pacifista desse povo. A guerra seria o instrumento utilizado em último caso pelos germânicos, quando impelidos pela força das circunstâncias. Estas, por sua vez, poderiam ser entendidas como as agressões e armadilhas promovidas por França e Inglaterra, visando acossarem o país de Guilherme II, o que resultara, a seu entender, na militarização das relações internacionais e no investimento do kaiser na potência das suas Forças Armadas. De acordo com María Inés Tato, esta foi uma tática da qual intelectuais argentinos se fizeram valer, quando apontaram que a concórdia nas relações era não só um desejo, mas uma necessidade alemã para prevenir interrupções no seu desenvolvimento cultural e econômico. À vista disso, arrazoavam que o conflito de 1914 ocorrera à revelia do empenho do “Wilhelmstrasse” para evita-lo, e por força maior da conjuração dos inimigos concentrados em torno das fronteiras germânicas.[29] Do lado brasileiro, o discurso ao parlamento feito pela já mencionado Dunshee de Abranches condensa esse mesmo raciocínio.[30] O deputado foi um dos principais defensores de que a conflagração resultara de uma conspiração contra a Alemanha. Já em setembro de 1914, atestou que os combates iniciados no mês anterior foram fruto das rivalidades nacionalistas, acirradas por uma disputa comercial sem precedentes e pelo surgimento do Império Alemão -“a mais poderosa e mais próspera das nações do Velho Mundo”- na equação geopolítica da Europa. A Alemanha teria, sim, se armado, mas levada por instintos de proteção. Desse ponto, o estado de beligerância visaria “a destruição da assombrosa prosperidade nacional da Alemanha e a sua incontestável supremacia no comércio mundial”. Os demais motivos alegados pelos Aliados –a invasão da Bélgica, a recuperação da Alsácia-Lorena e a defesa da liberdade– nada mais seriam do que pretextos para arrastar a grande rival para uma situação de conflito aberto.[31]

O desmantelamento do imperialismo alemão pela intelectualidade brasileira e argentina atingia outra acusação “aliadófila” corrente na região: as supostas aspirações pangermânicas na América Latina. Aqui também se abre uma nova zona de interseção entre esses letrados sul-americanos. Enquanto os defensores da “Entente” alardeavam a existência do “perigo alemão”, tal qual foi acima demonstrado pela fala de Leopoldo Lugones, seus opositores acusavam os Aliados de representarem a verdadeira ameaça à independência dos latino-americanos. Vemos a expressão dessa ideia no discurso do portenho Ernesto Quesada, em que diz:

Alemania jamás ha pretendido desempeñar papel político en América: en cambio, Inglaterra se ha posesionado, durante el siglo XIX, de diversos territorios americanos, como, p. e., en lo que hoy es Honduras británica, en las islas Malvinas, etc., trató vanamente de conquistar a la misma Argentina en 1806 y 1807, y ha ejercido presión diplomática y militar en diversos estados latino-americanos; Francia, con la tentativa del imperio de Maximiliano, intentó la conquista de México, entre ambas – Francia e Inglaterra – trajeron varias intervenciones armadas al Río de la Plata, en la época de Rosas; los Estados Unidos, en sus sucesivos avances sobre México, le han arrebatado California, Texas, y han recibido a Puerto Rico como despojo de una guerra, ejerciendo el protectorado sobre Cuba y Panamá.[3]

No mesmo estilo, no qual a melhor defesa era o ataque, novamente Carlos de Laet buscou comparar os diferentes comportamentos de Inglaterra, França, Rússia, Itália e Alemanha ao redor do mundo, inclusive na América. Laet repetiu no texto a mesma pergunta retórica que faziam os “germanófilos” brasileiros e argentinos: “É a Alemanha uma nação que, forte no seu poderio militar, se tenha jamais apresentado como arrogante conquistadora? Há na sua história qualquer fato que o demonstre de forma a justificar os receios dos povos mais fracos?”.[33] E provocava os leitores do “Jornal do Brasil” a refletir sobre a trajetória histórica das conquistas territoriais daqueles países. Em artigo publicado em janeiro de 1916, criticou, de forma irônica:

Já não falta quem ao mundo procure assustar pelas possíveis consequências da onipotência tudesca, principalmente naquilo em que ela poderia entender com independência das nações americanas. […] Lançando os olhos para o mapa-mundi, nele descobriremos o trabalho de conquista realizado nas mais longínquas regiões pelos estados que, ora se congregam ao quimérico projeto da aniquilação da Alemanha. A Inglaterra avassalou o mundo e assinala pretensões à outra metade. ‘Menino, já me dizia, há não poucos anos meu professor de geografia, quando v. não souber a quem pertence uma ilha, prefira dizer que é a da Inglaterra… Se ela já não possui quase todas!’ Humorística, mas criteriosa observação, a que só por um triz escapou a nossa ilha da Trindade, mas não lograram fugir as Falkland ou Malvinas, que eram e já não são da Argentina, dessa mesma nação que hoje por amor ao latinismo bate palmas ao conquistador britânico.[34]

De todas as ameaças representadas pelos Aliados aos países americanos, as intelectualidades brasileira e argentina pró-Alemanha eram unânimes em apontar os ingleses como a maior delas. Compartilhavam nessa matéria uma anglofobia visível em seus exames, segundo os quais a Inglaterra seria não apenas a principal responsável pela conjuntura de confronto, mas também a conspiradora que pretenderia avassalar o restante do mundo, quando derrotasse sua principal rival.[35] Nesse ponto, os alemães eram apresentados pelos seus apoiadores de Brasil e Argentina tal qual a França era trazida pelos “aliadófilos”: como o último bastião entre a autonomia e a submissão. Contribuía fortemente para a construção desse argumento as dificuldades atravessadas pelas casas comerciais e governos de ambos os países em vista das restrições de navegações e das “blacklists” criadas pelo gabinete de guerra britânico. No raciocínio daqueles indivíduos, as imposições inglesas sobre o comércio internacional de seus respectivos países representavam uma clara ameaça à soberania nacional, tingindo a guerra de interesses diretamente relacionados aos da pátria.

A interação entre os brasileiros e argentinos, nesse aspecto, se fez ainda mais nítida. Ao final de junho de 1916, o deputado conservador argentino Marco Avellaneda liderou a criação do “Comité Patriótico Argentino contra las Listas Negras”, que pretendia levar à votação no Parlamento argentino um projeto de lei para desbastar o impacto da política inglesa sobre a economia platina, pondo limites às interferências britânicas.[3] A proposta de Avellaneda foi a grande inspiração para Dunshee de Abranches realizar ação semelhante no Congresso brasileiro já no mês seguinte. Assumidamente inspirado pelo texto argentino, Abranches, ao lado de outros colegas deputados, pôs em pauta o “Projeto Dunshee”, que pretendia, tal qual seu congênere platino, evitar baixo punição a exclusão de empresas, casas comerciais e indivíduos, de transações comerciais, baseada em critérios de nacionalidade.[37] Tanto o projeto de Dunshee de Abranches, quanto o de Marco Avellaneda, não foram adiante nas suas respectivas casas legislativas, além de enfrentarem forte oposição de parte da sociedade civil. Iniciativas dessa monta fortaleceram o discurso de que os ingleses não eram sinceros aliados de Brasil e Argentina, recurso largamente utilizado quando as coerções sobre as neutralidades destes países aumentaram significativamente, em 1917.

Naquele ano, o conflito intensificara sua presença no cotidiano desses países, fosse através da deterioração das trocas comerciais e financeiras com seus principais parceiros, ou pela pressão diplomática exercida pelos Aliados, agora com o poderoso auxílio estadunidense, beligerante declarado em fevereiro daquele ano. O estado neutral assumido em 1914 soçobrava baixo à comoção das sociedades brasileira e argentina por cada embarcação posta a pique pelos alemães, vítima da guerra submarina irrestrita anunciada por Berlim.

Neste ponto da contenta, “germanófilos” brasileiros e argentinos puseram-se em favor da manutenção da neutralidade de seus respectivos Estados. Para tanto, novamente, adotaram argumentos similares, tal qual se observou nos anos anteriores.

Intensificaram-se as alegações outrora feitas, como as clivagens entre seus respectivos países e as lideranças da “Entente”, a saber, Inglaterra e França. Foi o que fez o escritor argentino Belisário Roldan.[38] Em discurso pela neutralidade, exortou a Argentina a “evitar o ridículo” de declarar guerra aos Impérios Centrais ou aos Aliados, em vista da pouca representatividade de um movimento bélico platino no concerto da contenda, fomentado por “alguns exaltados”.[39] Sobre o afundamento de uma embarcação argentina, afirmou que “nada nos autoriza a pensar que no vendrá a su tiempo la reparación condigna y es ya notório que Alemania ha oferecido someter el caso a la única forma de solución que la Argentina ha preconizado hasta aqui: el arbitraje.”, para, em seguida indagar, “podriamos decir de todos los beligerantes aquello que dijo von der Goltz de Alemania?”.[40] No encaminhamento da sua fala, ficou claro à sua plateia que a resposta seria “não”, uma vez que o orador recordou a postura britânica sobre a tomada das Malvinas, e ainda sobre os eventos mais recentes, informou que:

reiterados telegramas procedentes de Londres […] insinúan la conveniencia que hay para nuestro país en prestar a Inglaterra, a cambio de títulos cuyo valor está supeditado a la contingencia enorme del triunfo o la derrota, los trescientos diez y seis millones que guardamos en la Caja de Conversión… […] si cometeríamos el error imperdonable de abandonar la neutralidad, esa insinuación telegráfica se podría convertir en una reclamación perentoria de los aliados más fuertes, y pagaríamos con la extracción de toda nuestra reserva metálica, el honor harto discutible  de incorporarnos en calidad de comparsa de última fila a una contienda de intereses ajenos…[41]

A mesma linha de raciocínio foi utilizada por Dunshee de Abranches para defender a permanência do Brasil entre as nações neutras. O também deputado colocava a anulação do decreto 11.037 como uma escolha entre uma Alemanha cordata em seu trato com os brasileiros, que prestara inúmeros préstimos ao país através de seus imigrantes, e uma Inglaterra predatória nas suas demonstrações históricas. Para Dunshee, “dos dois perigos com que desde já nos apavoram, o britânico é o que, em uma rápida síntese, mais facilmente se pode entre nós demonstrar suas raízes históricas”.[42] Em seguida, incluindo a França, categorizou:

A Grã-Bretanha e a França foram sempre as nações que, desde a nossa Independência, mais nos têm maltratado e oprimido até hoje. Durante mais de meio século, pode-se dizer, não houve um ano em que uma ou outra não nos infligisse os mais sérios desgostos, quando não as mais tristes humilhações.[43]

Ressalta-se, contudo, que os defensores da Alemanha localizados em Brasil e Argentina encontravam-se em conjunturas diferentes, em razão da postura que cada governo assumiu naquele mesmo ano. A administração de Wenceslau Brás cedia pouco a pouco às pressões dos Aliados, potencializada pela entrada dos Estados Unidos ao lado do grupo. Internamente, a articulação dos “aliadófilos” mostravase cada vez mais eficiente, capitaneados no Rio de Janeiro pela Liga Brasileira pelos Aliados, sendo parcialmente responsável pela substituição do reticente Lauro Müller pelo pró-Entente Nilo Peçanha no Itamaraty, e por insuflar a opinião pública a cada incidente envolvendo Brasil e Alemanha. Por sua vez, o argumento sustentado pelos simpatizantes do Reich da permanência na neutralidade como o único caminho capaz de garantir o futuro nacional no mundo pós-guerra era fragilizado pelo aumento das tensões entre aqueles países. Muitos acabaram por desistir de sua campanha, como foi o caso da Liga Brasileira Pró-Germânia, que encerrou suas atividades quando do rompimento das relações teuto-brasileiras.

Enquanto os “germanófilos” brasileiros viam suas vozes serem abafadas pela eminência da declaração de guerra ao Império Alemão, os argentinos seguiam outra sorte, com a resistência do governo de Hipólito Yrigoyen em abandonar a neutralidade. Entre a opinião pública platina, a guerra assumiu, assim, novas conotações com a contraposição formada entre “rupturistas” e “neutralistas”. Como mencionado anteriormente, para defender a neutralidade argentina, a intelectualidade mobilizouse para fundar associações como a Liga Patriótica pro Neutralidad, a Comisión Pro Argentinidad e o Comité Argentino. Segundo Stefan Rinke, embora nem todos os “neutralistas” fossem simpáticos aos germânicos, muito partidários da Alemanha identificavam-se com este grupo.[44]

Percebe-se, dessa forma, que as querelas narrativas sobre a conflagração e sobre o posicionamento oficial de seus respectivos Estados foram revestidos por uma luta política nos dois países. Os intelectuais atuaram como propositores de ações e posicionamentos a serem incorporados pelas diferentes esferas de poder, com um discurso revestido de reclames. Agiam como um grupo de pressão sobre as instituições estatais e sobre a sociedade, apresentando-se como guardiões dos interesses nacionais e detentores das verdadeiras manifestações patrióticas, estabelecendo um contraponto com os que exortavam os Aliados e que, posteriormente, demandavam o abandono do estado neutral.

Essas afirmações traziam nas entrelinhas disputas representativas acerca da própria identidade nacional e do futuro a ser edificado ao final da guerra. Esta era uma discussão cara às elites intelectuais de Brasil e Argentina no período que antecedeu ao conflito, remontando à década de 1870. O debate sobre a definição de padrões culturais homogeneizantes, justificados como elementos de forja da nacionalidade, foi incorporado ao contexto da guerra e expandido a partir dele. No Brasil, os que defendiam a campanha do Kaiser apresentavam a Alemanha como um país que poderia servir de modelo ao progresso brasileiro, em diferentes aspectos, e exaltavam a contribuição dos colonos e imigrantes para a construção da nacionalidade. Novamente, Dunshee de Abranches, em entrevista ao periódico Comércio de S. Paulo, ainda em 1914, afirmou:

Se penso que, para nós, como para os Argentinos, os Chilenos e demais povos sul-americanos, o nosso grande amigo e aliado no continente deve ser os Estados Unidos, na Europa, a nação de que mais nos deveremos aproximar é a Alemanha; e não é somente porque não nos parasita, nos dá braços laboriosos, como a Itália, Portugal e Espanha, e nos compra mais do que todas as outras, mas, principalmente, porque é um padrão admirável pelo qual deveríamos aferir todo o nosso progresso mental, a nossa evolução econômica e o nosso próprio aperfeiçoamento moral, porquanto a obra de Guilherme II, neste último quarto de século, é o mais portentoso monumento da civilização contemporânea.[45]

Na fala do parlamentar e jornalista, vê-se uma interpretação positiva da construção do Império Alemão como Estado-nação e espaço simbólico dentro do arranjo continental europeu. Dunshee de Abranches peremptoriamente apontou este como o exemplo ideal a ser incorporado pelo Brasil na sua escalada evolutiva rumo à civilização e à modernidade, elegendo o imigrante alemão como o condutor mais adequado pela sua capacidade de inculcar nos brasileiros valores condizentes a tais padrões. O parlamentar ecoava as ideias de uma parcela da intelectualidade brasileira que festejava, desde o final do século XIX, a “Alemanha espiritual”, o ideário intelectual construído por pensadores daquele país nas mais diferentes áreas do conhecimento. Mais do que uma admiração pela produção cultural germânica, nomes como o do historiador João Capistrano de Abreu e do jornalista Homero Pires, entendiam o racionalismo concebido pelos alemães como método para se pensar e se solucionar as mazelas brasileiras, sedimentando a rota rumo ao progresso nacional.[46]

No caso platino6, elementos dos discursos nacionalistas foram incorporados pelos esforços pró-Alemanha naquele território. De acordo com a pesquisadora Carla Russ, entre as estratégias para apresentar o Reich sob uma luz mais favorável à opinião pública argentina estava apontar paralelos identitários entre os dois países. Nessa linha, as iniciativas pró-Alemanha serviram-se do “hispanismo”, exaltando a herança cultural da antiga metrópole espanhola em seu viés conservador e crítico ao ideário liberal francês, para mostrar as semelhanças existentes entre argentinos e alemães, mas, sobretudo, marcar as oposições entre os primeiros e os Aliados. Da mesma forma, louvou-se a “raza hispana”, derivada da colonização ibérica, rememorando eventos da história pátria para expor e naturalizar o antagonismo com a “raza anglosajona”, num viés argumentativo semelhante ao utilizado pelo literato Belisário Roldan, conforme exposição anterior. Sucedendo-se ao longo daquele quadriênio, podem ter sedimentado a ressignificação da contenda entre “aliadófilos” e “germanófilos” no ano de 1917.[47] Estes últimos, arvorando-se de legítimos representantes dos desejos do povo e, portanto, de uma “argentinidad pura”, associada ao conservadorismo das províncias do interior, diametralmente contrárias ao cosmopolitismo dos grandes centros, acusavam seus opositores de defenderem um patriotismo enviesado pelas paixões francófilas.[48]  

3. Reflexãos Finais

Os governos de Brasil e Argentina seguiram caminhos opostos no quadriênio de 1914-1918. Enquanto a Casa Rosada buscava adotar uma postura mais autônoma no plano internacional e resistia às pressões para a quebra da neutralidade, o gabinete de Wenceslau Brás inclinavase cada vez mais para a política externa dos Estados Unidos, num cálculo para atender a interesses específicos, sobretudo o de se apresentar como única liderança regional sulamericana. Embora tenha havido inicialmente uma tentativa de construírem uma articulação para responder aos desafios impostos pela guerra mundial, o relativo distanciamento nas relações bilaterais intensificou-se com o rompimento diplomático entre Brasil e Alemanha, em abril de 1917, e a posterior entrada brasileira na guerra ao lado dos Aliados, em outubro daquele mesmo ano. Nesse ponto, os intelectuais de ambos os países parecem ter sido mais felizes nas suas transações. Embora as fontes documentais ainda não tenham revelado uma ligação direta entre os intelectuais pró-Império Alemão de Brasil e Argentina, é possível vislumbrar algumas justificativas plausíveis para as semelhanças entre seus discursos apresentadas aqui.

A primeira delas diz respeito à propaganda de guerra germânica que circulava pela América do Sul. Mesmo tendo menor capilaridade que o material propagandístico produzido pelos governos aliados, o Estado alemão preocupou-se em estabelecer uma comunicação com os países sul-americanos e conseguiu abrir alguns canais para tal. Após o corte dos cabos telegráficos submarinos que ligavam a Alemanha às Américas por obra dos ingleses, ainda em 1914, tentou-se restabelecer a comunicação com o Novo Continente por meio do telégrafo sem fio, organizado um sistema de propaganda transnacional.[49] Mesmo com as dificuldades impostas pelas limitações desse veículo, foi possível estabelecer uma rede de informações com os americanos, através da agência de notícias Transocean Company, passando pela Espanha, pelos Estados Unidos, e, de lá, para a América Latina.[50] Do México, Guatemala e Colômbia chegavam notícias e propagandas encaminhadas para o Cone Sul, que tinha na Argentina a sua principal distribuidora. Dali, o jornal da comunidade alemã “Deutsche La Plata Zeitung” selecionava e encaminhava materiais para a legação germânica localizada no Rio de Janeiro. Havia também a publicação “Serviço de Informações para os países de língua portuguesa e espanhola”, pensada por capitalistas e cônsules alemães em países neutros, incluindo Brasil e Argentina, para distribuir notícias oficiais de Berlim aos jornais locais, diretamente de Frankfurt.[51] O caminho, portanto, que as mensagens, avisos, relatos sob uma perspectiva alemã faziam na América do Sul, ligando as capitais desses dois países, permite suspeitar que suas fontes informativas pudessem ser as mesmas, apoiando o alinhamento dos seus discursos.

Ao que tudo indica, havia também a participação das comunidades de imigrantes alemães nessa trama. Na Argentina e no Brasil, elas foram ativas, sobretudo, através de veículos da imprensa empenhados em fornecer não apenas informações das batalhas travadas por seus compatriotas do outro lado do Atlântico, mas sua interpretação daqueles acontecimentos. De acordo com Olivier Compagnon, as folhas sustentadas pelos imigrantes alemães e seus descendentes tornaram-se difusores da propaganda oriunda do Império em território brasileiro e argentino. O historiador francês identifica, ainda, que os diários portenhos “Deutsche La Plata Zeitung”, “Argentinisches Tageblatt” e “La Unión”, supriam títulos da comunidade alemã fincada em estados brasileiros, como Rio Grande do Sul e São Paulo.[52] Presumivelmente rompendo as barreiras da comunidade e chegando às mãos da intelectualidade nacional, este seria mais um elo a garantir as similaridades entre os argumento “germanófilos” daqueles países.

Por fim, olhando em específico para as relações entre a intelectualidade brasileira e argentina, desde o final do século XIX, estabeleceu-se uma intencional aproximação entre ambos. Consoante com a pesquisa do historiador João Paulo Rodrigues, o meio intelectual dos dois países se mobilizaram para estreitar canais de comunicação e firmar trocas culturais. Em perspectiva, a mudança na postura das relações bilaterais entre os dois Estados, num esforço para superar antigas rusgas e pavimentar um alinhamento entre o Palácio San Martín e o Itamaraty no cenário regional, certamente inspiraram os homens de letras a buscarem seus termos. Tal se deu, sobretudo, por iniciativas de órgãos da imprensa portenha e fluminense, que enviaram seus jornalistas para cobrirem eventos, acompanharem comitivas e, sim, instituir contatos com os letrados locais, almejando construir uma rede de sociabilidade. A conjugação, comum a muitos intelectuais daquela época, das funções jornalísticas e diplomáticas facilitou as permutas, estabelecendo o que Rodrigues chamou de “diplomacia cultural informal”. As “embaixadas informais”, compostas por exemplares do mundo das letras dos dois lados da fronteira, viajavam às respectivas capitais, de posse de detalhados roteiros, que incluíam banquetes, visitações a lugares de destaque na cena intelectual da cidade e discursos. A partir de 1900, contavam com ampla cobertura da imprensa, sendo a década seguinte, nos anos de 1910, o auge dessas visitas.[53] Pode-se inferir, portanto, que tal rede criada com esmero por ambas as partes pode ter sido ativada quando do advento do conflito, possibilitando o intercâmbio de ideias e impressões sobre o evento que assombrava o mundo.

A título de conclusão, infere-se que ainda cabem muitas perguntas a respeito das interconexões entre a Primeira Guerra Mundial e a América Latina. A dizer pelo presente estudo, as limitações no acesso às fontes primárias argentinas dão margem a indagações acerca dos limites e extensões dos diálogos intrarregionais durante o conflito, bem como do alcance da propaganda bélica entre os latino-americanos. Há outros questionamentos levantados, proporcionados pelo avanço do tema na última década nos cursos de graduação e pós-graduação, e pelas produções historiográficas em razão do centenário do conflito. Por certo, tem-se a afirmação de Hew Strachan, segundo a qual o centenário conflito pode ser entendido, de fato, como um evento que expôs as amarras que uniam as sociedades ao  redor do mundo, sendo justamente conhecido como “mundial”.

Obras citadas

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[1] H. STRACHAN, 2010.

[2] P. DEHNE, 2014, p. 152.

[3] M. I. TATO, p. 8.

[4] M. O. REVAH, 2014, p. 12.

[5] Sobre o conceito de “cidade das letras”, ver A. RAMA, 2015.

[6] A Revolução Francesa foi também inspiração para movimentos emancipatórios na antiga colônia lusitana, sendo referência para Conjuração Baiana, na província da Bahia, em 1789. Nesta, homens negros organizaram uma sedição contra a metrópole, com o anseio de fundarem uma república abolicionista, pautada na igualdade racial.

[7] G. ARANHA, 1914, p. 2.

[8] L. LUGONES, 1917, pp. 132-133.

[9] Sobre as características dos simpatizantes da Alemanha na Argentina, ver O. COMPAGNON, 2014, p. 99-101, e M. I. TATO, 2012, pp. 207-208.

[10] F. VINHOSA, 1990, p. 41.

[11] A. SILVA, 2015, p. 637.

[12] M. I. TATO, 2012, p. 208.

[13] Sobre o debate intelectual brasileiro a respeito do conflito mundial, ver PIRES, L. 2019. Intelectuais nas trincheiras.

[14] A respeito do associativismo promovido pelos intelectuais pró-Alemanha durante o ano de 1917, consultar M. I. TATO, 2012, pp. 216-217.

[15] G. 1916. A guerra de palavras, p. 1.

[16]O. COMPAGNON, 2014, pp. 68-72.

[17] Tornou-se célebre o exemplo do diplomata brasileiro Oliveira Lima, que ganhou o epíteto de “germanófilo” ao expor uma interpretação da guerra que se distanciava dos dois polos combatentes. O mesmo aconteceu com Manuel Ugarte, literato argentino que não balizou suas análises nem pelo espectro aliado, nem pelo dos Impérios Centrais. Ver O. COMPAGNON, 2014, pp. 95-97.

[18] A América Latina foi um dos principais alvos da propaganda de guerra criada pelos Aliados, sendo a França uma das principais emissoras desses materiais. Com o respaldo do gabinete de Georges Clemenceau, livros, panfletos, filmes e palestrantes foram enviados aos latino-americanos, contando com a mediação da intelectualidade local simpatizante à causa aliada. RINKE, S. 2015.

[19] Carlos de Laet (1847-1927) foi um engenheiro de formação que fez do jornalismo e do magistério suas principais expressões intelectuais. Colaborador de importantes periódicos do Rio de Janeiro, escreveu inúmeros artigos simpáticos ao Império Alemão. Por conta da guerra, estabeleceu um tenso diálogo com o “aliadófilo” Graça Aranha, estendendo disputas intelectuais iniciadas dentro da Academia Brasileira de Letras.

[20] C. LAET, 1916, p. 7.

[21] Idem.

[22] O jurista e pedagogo Juan Pedro Ramos (1878-1959) foi um dos intelectuais argentinos mais proeminentes de sua época. Engajou-se na defesa da Alemanha em território platino entre os anos de 1914 e 1918, publicando destacadas obras sobre o assunto. Uma delas, La significación de la Alemania en la guerra europea, recebeu uma edição alemã sob os auspícios de Berlim. Ver O. COMPAGNON, 2014, p. 102.

[23] J. P. RAMOS, apud M. I. TATO, 2012, p. 211.

[24] J. P. RAMOS, apud M. I. TATO, 2012, pp. 211-212.

[25] Bernardino José de Souza (1884-1949) foi um intelectual multifacetado, como muitos de sua geração. Foi historiador, geógrafo e jurista, professor de Direito Internacional na Faculdade Livre de Direito da Bahia, posto que só abandonou para ocupar uma cadeira no Tribunal de Contas da União, na década de 40.

[26] B. SOUZA, 1915, p. 1.

[27] Idem.

[28] Idem.

[29] M. I. TATO, 2012, p. 211.

[30] Poeta, jornalista, jurista, sociólogo e parlamentar, Dunshee de Abranches (1867-1941) tinha, na mesma medida que seu extenso currículo, uma considerável bibliografia sobre a Primeira Guerra Mundial. Em seu catálogo bibliográfico, Dunshee de Abranches é apresentado como um “fanático pela cultura germânica e um dos poucos […] que acompanhavam de perto os progressos assombrosos da ciência alemã”.

[31] D. ABRANCHES, 1914, pp. 13-18.

[32] E. QUESADA, apud M. I. TATO, 2012, p. 213.

[33] C. LAET, 1916, p. 6.

[34] Idem.

[35] Sobre as manifestações argentinas nesse sentido, ver M. I. TATO, 2017, pp. 13-15.

[36] O Comité recebeu, inclusive, suporte efusivo do diário “La Unión”, que divulgava suas atividades e mesmo organizou uma manifestação de apoio ao grupo em frente ao parlamento. M. I. TATO, 2017, p. 15.

[37] s/d. 1916. Annaes da Câmara dos Deputados, pp. 465-480.

[38] Belisario Roldán (1873-1922) teve inicialmente uma formação como jurista. Contudo, foi dramaturgo, poeta, ensaísta e político. Notabilizou-se como um defensor da causa germânica em solo argentino. Ao lado de outros notórios germanófilos platinos, engajou-se na Liga Patriótica Argentina Pro Neutralidad, Ver M. I. TATO, 2012, p. 217.

[39] B. ROLDAN, 1922, pp. 294-295.

[40] Ibidem, p. 296.

[41] Ibidem, pp. 297-298.

[42] D. ABRANCHES, 1917, p. 365.

[43] Idem.

[44] S. RINKE, 2017, p. 103.

[45] D. ABRANCHES, 1914. p. 12.

[46] C. OBERACKER, 1988.   47 C. RUSS, 2019.

[47] M. I. TATO, 2012, p. 218.

[48] S. RINKE, 2017, p. 101.

[49] S. RINKE, 2015.

[51] M. I. TATO, 2017, pp. 5-9.

[52] O. COMPAGNON, 2014, pp. 112-113.

[53] J. RODRIGUES, 2017. Embaixadas originais, pp. 537-562.